domingo, 20 de junho de 2010

Das corridas e aprendizados



Não li o livro “Explicando Deus numa corrida de táxi” de Paul Arden, nem conheço o trabalho deste autor, mas gostei do título e certamente acho curiosa a escolha do lugar-diálogo: um táxi.

Não sei dirigir. Pelo menos não aprendi até agora... falta vontade, como se esse fosse um dos emblemas da minha ignorância urbana. Portanto, quando não estou a pé, ou no expiatório coletivo, estou num táxi, andando pela cidade.

E, realmente, há o que se aprender. Afinal, os seres humanos sempre estão numa situação ou outra: ensinando ou aprendendo.

Os motoristas são companheiros de conversa. Como boa carioca, eu gosto muito de papear. Salvo aqueles dias nos quais o veículo é usado como escritório, local para meditação ou lugar de pensar fugidiamente, chorar... Neste local, as palavras são proibidas.

Podemos encontrar o motorista filósofo, que gosta de dirigir, vive com pouco, mas realmente estuda e lê muito. Boníssima companhia de conversa fiada. Há o lamentador, que reclama da vida num tom de “fuinha”, sabe, aquela do desenho animado? Há o revoltado: com a política, com aquecimento global, com a falta de dinheiro, com os passageiros. A melhor tática nesta situação é colocar o rádio no ouvido. Há o silencioso de alma, aquele que não fala, mas te olha como se falasse. Há o falante compulsivo... Há ainda o mal humorado, cujo silêncio é uma forma de agressão. Há o bom de papo, cheio de ginga, que fala na medida, tem um sorriso nos lábios e muitas histórias para compartilhar. Há o paquerador e o psicólogo... O ser humano é maravilhoso na sua diversidade; mas a profissão de motorista pode fazer nascer um observador do cotidiano e, na medida da atenção, pode-se tornar-se sábio...

Particularmente, adoro os motoristas cantores. Esses são pitorescos... Uma vez cantei todo o livro de serestas de Conservatória com um senhor que fazia ponto no Largo do Machado, um carro velhíssimo, mas que viagem! Acho que já morreu. Encontrei um outro cantante ano passado, estava de cara amarrada quando entrei no carro, mas, depois de muitas tentativas, arranquei a sagrada informação: ele era músico! E entabulamos um dueto... “eu amanheço pensando em ti... eu anoiteço, pensando em ti... eu não te esqueço, é dia e noite, pensando em ti...”. Rimos juntos e ficamos contentes um com o outro.

Mas iniciei este texto com o Paul Arden e seu papo sobre Deus num táxi.

Quero falar é Dele mesmo, Dela mesma, Deus, Deusa. Opiniões pessoais são perigosas nesta seara, é melhor agarrar-se na crença institucional (numa Igreja ou numa religião) ou científica. A aventura de falar no Divino desta forma indireta nos livra dos tenebrosos e maravilhosos encontros involuntários com partículas divinas de Nós mesmos.

Deus/Deusa e religião não são comuns, não são complementares; são, antes, distantes. Deus, como li em algum lugar, é a experiência. Não afirmo aqui categoricamente coisa alguma. Você sabe Deus, você sente Deus, mas você não vê Deus. Porque ver, pelo menos entre as pessoas “normais”, leva a um julgamento na maioria das vezes. Talvez por isso, há uma meditação cabalística que te exorta a ver Deus e aceitar qualquer que seja a imagem que surja, pois todas são perfeitas.

Imagine... uma conversa como essa daria uma corrida infinita....na qual visitaríamos todas as nossas possibilidades. Veríamos amigos, amores, amantes, pai, mãe, filho, irmãos, todos tendo cruzado a barreira tempo-espaço. Uma corrida infinita na imensidão do Mistério.

Por enquanto, continuo na divertida arte de papear. Às vezes há muito que falar, às vezes há muito o que calar. Mas sempre há, em qualquer situação, muito que aprender.

sábado, 19 de junho de 2010

Junho de 2010

Almas

Sob a pele do amigo
Há o compartilhar
Da coragem de Ser

Sob a pele do amigo
Os mistérios não assustam
Há destemor constante
Profundidades que se
enlaçam sem nós

Sob a pele do amigo
Está a força vibrante
De anseios sem carência de nome
Há o sentir puro

Sob a pele do amigo
Há aceitação
Nada se justifica
Nem espera
Não há remendos por fazer
Pode-se ser inteiro em meio à fragmentação

Com a pele do amigo
Temos o movimento
A extinguir angústias
A lembrar que amar, amar, amar
Sempre vale a pena

Com a pele do amigo
Encontram-se umidades
Terra fértil
Criatividade
Risos são abraçados
Lágrimas são acalentadas
Ímpares se querem par
No eterno de instantes

Com a pele do amigo
A descoberta é encontro
Brincadeira
Ciranda do bom tempo
Onde julgamento não pisa

Nunca se esgota
Tão pouco paralisa
Porque a celebração do divino
é coisa que não tem fim



Da Caverna

Queimou-se a pele
Tudo se tornou demasiado cálido
Caverna abriu-se aos passos
O corpo pulsou
Quente e iluminado
Dizendo não à necessidade
Dizendo sim ao puro desejo

Negar tal sentimento
Não o faria cessar
Mãe da luz arranca espadas
O músculo cura-se vibrante
Torna-se forte ao aceitar-se frágil

Não entender
Vale a pena hoje
Ansiar, por nada
Brincar
Com a energia de uma criança
Tocar o incognoscível com uma dança
Viver tudo, amor, dor, desejo, saciedade
Observadora dos atos da vida
Curiosa

Nada a recusar
Tudo se agrega
Ao aprender
Negar o que se passa é buscar
trapaça
É desamor
Apressar-se às respostas
Pra que?
Se nem há perguntas
Aceita-se o sabor dos ventos
Em amistoso bailado
Flores e folhas que se misturam
Juntar-se em solo fértil é possível
Dar-se ao êxtase sem medos e fantasias
É celebração da existência

Sem espera de tempo algum
Ondulando no presente
Ao tocarem-se, peles que iluminam sorrisos
E o queimar desaparece